
23 abr Brasil e Espanha: o quê os une e o quê os separa
O Brasil, para a Espanha, é menos importante do que os demais países latino-americanos? Fiz esta pergunta para o atual presidente do Governo espanhol, Pedro Sánchez, pouco antes do começo da campanha para as eleições gerais de 28 de abril.
Como jornalista, procurava conhecer os planos do chefe do Executivo, no caso de um novo mandato. Era preciso indagar sobre o seu programa de política internacional em relação ao Brasil, já que a linha do presidente brasileiro, Jair Bolsonaro, nada tem a ver com a do líder socialista.
Formulei a questão dentro de um contexto específico: a Espanha, na posse do presidente mexicano, Andrés Manuel López Obrador, esteve representada pelo rei Felipe VI, e na de Bolsonaro, enviou a presidenta da Câmara dos Deputados, Ana Pastor.
Sánchez respondeu que “de nenhuma maneira” o Brasil era menos importante. Esclareceu que a Câmara é a terceira instituição da Espanha e, portanto, “suficientemente representativa da vontade da democracia espanhola para manter as melhores relações com o Brasil”.
DIFERENÇAS ENTRE A ESPANHA E O BRASIL
As relações da Espanha com o Brasil, no entanto, são diferentes com respeito ao resto de países latino-americanos.
Embora o Império Espanhol tenha dominado o Brasil durante 60 anos (1580-1640), não há vínculos sentimentais arraigados em um passado colonial compartilhado. Também não utilizamos o mesmo idioma. Culturalmente, além do mais, apesar das afinidades entre espanhóis e brasileiros, estas não são tão diretas quanto com os hispano-falantes.
ESPANHÓIS NO BRASIL
Apesar de tudo isso, o Brasil foi, entre 1882 e 1930, o terceiro destino na América para os espanhóis. Emigraram, em massa, em busca de melhores oportunidades, deixando atrás uma economia agrícola escassamente modernizada e fugindo, os mais jovens, de três anos de serviço militar obrigatório.
Formaram-se, então, numerosas colônias de imigrantes –fala-se de 360.000 a 750.000 pessoas–, que chegaram no Brasil atraídos pela expansão cafeeira.
O café voltou a ter um papel importante em outra corrente migratória, posterior à Segunda Guerra Mundial. Entre 1946 e 1958, São Paulo, que já concentrava 75% dos imigrantes espanhóis no Brasil, se manteve como principal destino.
Neste estado da região sudeste, de fato, e no Rio Grande do Sul, Paraná e Santa Catarina já havia sobrenomes espanhóis, por sua presença no Brasil colonial dos séculos XVI e XVII.
Estes laços, porém, nunca traduziram uma proximidade entre ambos os países. A conexão da Espanha é, historicamente, maior com os países hispano-falantes, assim como as principais referências europeias para os brasileiros sempre foram a França e o Reino Unido.
Isso não significa que o Brasil não seja importante para a Espanha e que a Espanha não seja importante para o Brasil.
INTERNACIONALIZAÇÃO DAS EMPRESAS ESPANHOLAS
Nos anos 1990, de fato, produziu-se uma mudança significativa nas relações bilaterais motivada pelas privatizações executadas pelo governo de Fernando Collor de Mello, principalmente no setor siderúrgico.
A partir de então, muitas empresas espanholas em processo de internacionalização decidiram entrar no mercado brasileiro, no qual a companhia de segurança privada Prosegur e o Santander, o maior banco estrangeiro atualmente no país, já operavam desde o início da década de 1980.
Esta abertura econômica permitiu, por exemplo, o desembarque, em 1992, da Mapfre, empresa de seguros que tem o Brasil, hoje, como seu segundo mercado (ao redor de 18% do negócio global da empresa), com mais de 11 milhões de clientes.
INVESTIMENTO ESPANHOL NO BRASIL
O investimento direto espanhol no Brasil começou a se estender com muita força, uma tendência intensificada durante o governo de Fernando Henrique Cardoso, a partir de 1995.
Em 1996 e 1997, a Endesa e a Iberdrola deram início aos investimentos espanhóis no setor brasileiro da distribuição elétrica, expandindo-se para o transporte e à geração de eletricidade. Depois, passaram a operar, também, nos setores da água, do gás e das telecomunicações e, mais adiante, no das energias renováveis.
Ainda em 1997, a Repsol e a Gas Natural Fenosa chegaram ao Brasil reforçando a presença espanhola no âmbito energético.
O BRASIL, MERCADO ESTRATÉGICO PARA A ESPANHA
A Telefónica chegou pouco depois, em 1998, iniciando um crescimento que fez do Brasil, onde tem cerca de 95 milhões de clientes, o responsável de 21% da receita global do grupo.
Atualmente, há mais de 200 empresas espanholas no Brasil: Santillana, Planeta, Cepsa, Acciona, Abertis, Llorente y Cuenca, Atrevia, Iberia, Indra, Meliá…
À margem dos vínculos empresariais, que fazem da Espanha o segundo maior investidor estrangeiro no Brasil, com mais 60.000 milhões de euros, o comércio exterior entre ambos os países cresceu exponencialmente.
As exportações de produtos brasileiros para a Espanha deram um pulo, desde o ano 2000, de 413%.
PERCEPÇÕES BRASIL-ESPANHA E ESPANHA-BRASIL
Com os negócios como pano de fundo, a Espanha e o Brasil vão se conhecendo um pouco melhor e, pelo caminho, alguns estereótipos vão perdendo força. Na percepção dos espanhóis, o Brasil já não se resume exclusivamente ao país do futebol e do carnaval. Da mesma maneira que, para os brasileiros, a Espanha deixou de ser só touros e flamenco.
As percepções e o desconhecimento mútuo, no entanto, ainda separam a Espanha do Brasil e o Brasil da Espanha e influem, muitas vezes, na política exterior de ambos os países.
Algo que foi transmitido no informe Relaciones España-Brasil (Real Instituto Elcano, 2014), coordenado pelo historiador e analista político Carlos Malamud, profundo conhecedor de ambas as realidades:
“A Espanha costuma ver o Brasil e relacionar-se com ele como um país latino-americano a mais, muito similar a outras repúblicas hispano-falantes da região, mas o Brasil quer ser tratado como a grande potência que pretende ser, e que também é. Por outro lado, o Brasil vê a Espanha com um projeto ibero-americano que pode interferir em suas posições e interesses na América do Sul, um projeto, desde a perspectiva brasileira, claramente ingerencista. A Espanha, no entanto, quer que a sua relação especial com boa parte do continente seja reconhecida, assim como seu direito de aprofundar na mesma. Embora ambas as partes exijam respeito mútuo, o grande desconhecimento entre as duas sociedades colabora para o forte impacto das percepções falsas e estereótipos deformados”.
Um passo importante, talvez, para aproximar ambos os países seria aumentar os esforços no setor cultural, e em estratégias de comunicação para dar visibilidade às iniciativas neste campo. A final de contas, o Brasil e a Espanha têm todos os elementos para, além de sócios comerciais, tornarem-se grandes amigos.
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